Tortura
e medo na Baixada Fluminense: Dom Adriano Hypólito e a luta contra a repressão.
Peter
Sana
UERJ
– FFP - PPGHS
No
início do século XX, a população da Baixada Fluminense em sua maioria estava na
posição de simples e apáticos observadores no que diz respeito à participação
política. Segundo Waldick Pereira (1977, p. VII), a população era levada por
influência dos discursos dos partidos políticos desligados da realidade da
comunidade, quer seja em função da própria ausência de raízes históricas desta população,
ou seja, pela caracterização das cidades da Baixada, principalmente no nosso
caso de estudo, Nova Iguaçu, como cidades-dormitório.
Este
princípio limitava o sentimento de pertencimento a uma terra, a identidade de
cidadão desta região ainda não tinha traçado os laços que viriam ser
incorporados à luta.
Para
tanto, existia um proveito muito ousado por parte das classes políticas no que
diz respeito ao benefício próprio do discurso político para garantia de
privilégios particulares. E o ciclo da laranja ajudou a avolumar este
contingente de proveito no jogo político, criando uma tradição política pautada
no elitismo que, com o fim deste ciclo, transformou as terras de Nova Iguaçu em
grandes loteamentos amontoados sem planejamento (ibidem).
Nilo
Peçanha, quer seja como presidente da República ou Governador do Estado do Rio
de Janeiro continuou com a proposta deste tipo de política na região,
impulsionando as famílias tradicionais que se estabeleciam no poder a se
efetivarem definitivamente (ibidem, p. 115).
A
concentração de imóveis nas mãos de poucos acentuou as diferenças sociais na
Baixada, e logo a situação de pobreza trazia contornos bem trágicos para as
necessidades básicas de uma família de baixa renda na região.
Era
interessante que houvesse um grande contingente de trabalhadores para o
exercício de funções mais brutas no plantio e colheita da laranja. Portanto,
garantir este contingente era garantir lucros para estas famílias e condicionar
o sucesso financeiro somente a uma parte da população e, consequentemente,
grandes dividendos aos cofres públicos.
A visita do Presidente Washington Luís, em
1929, e sua comitiva cercou-se de ruidosa festividade e serviu para consolidar
o prestígio de uma nova elite social de Iguaçu – “os laranjeiros” (ibidem,
p.126).
A Associação dos
Fruticultores de Iguaçu gerou uma elite consideravelmente ativa neste ciclo
econômico da cidade. O presidente da instituição fazia um acompanhamento bem
severo junto às autoridades políticas buscando maneiras de garantir aos cultivadores
as melhores condições, quer seja no legislativo, ou mesmo no nível de
incentivos fiscais que favoreciam o cultivo de cítricos na região (ibidem).
A maioria dos religiosos
que se encontravam na região de Nova Iguaçu também eram de fora, ou seja, não
haviam nascido em nenhuma região correspondente à Baixada Fluminense.
O padre João Müsh, um dos
iniciadores do projeto eclesiástico em Nova Iguaçu era alemão e veio em missão
para o Brasil em 1910. Sua trajetória na formação religiosa passou por Santa
Catarina – Florianópolis, depois fora para o Rio Grande do Sul, onde ficou por
dez anos no Seminário Provincial de São Leopoldo. Em 1928, o bispo de Barra de
Piraí Guilherme Müller nomeou João Müsh vigário de Paracambi e Nilópolis, com
posse em 11 de novembro, e em dezembro nomeado vigário da Paróquia de Santo
Antônio de Jacutinga (Sana, 2009, p. 8).
Em 1930 percebemos o
quanto a instituição religiosa se aproximava das elites iguaçuanas,
desenvolvendo uma relação amistosa e de troca de interesses (ibidem, p. 9).
No ano de 1931, com a
visita do então presidente Getúlio Vargas, a presença da Igreja foi registrada
diante de diversos membros da elite econômica e política da região (ibidem).
Na lista dos 62
exportadores de laranja de Nova Iguaçu do ano de 1934, os três maiores eram
ítalo-iguaçuanos: Alberto Cocozza, Francisco Baroni e Pantaleão Rinaldi. Desde
as orações singelas das mammas à
alegria contagiante de Ugo Papaleo, resoureiro da festa de Santo Antônio, às
doações do Comendador BAroni para a ampliação da Matriz de Santo Antônio e
construção de várias igrejas, a Pequena Calábria foi fundamental na construção
da Igreja de Nova Iguaçu.
Neste contexto, diante do
distanciamento da Igreja em relação às classes menos abastadas, o avanço de
outras religiosidades passou a integrar o quadro espiritual em Nova Iguaçu, e a
ação da Igreja se voltou a montar uma base que desse sustento ao
desenvolvimento da cultura católica na região. Então surgiu o Colégio Santo
Antônio, criado principalmente para fazer frente ao Ginásio Leopoldo Machado,
que mantinha uma linha espírita em seu corpo docente e na sua metodologia de
ensino (ibidem, p. 10).
O desenvolvimento de suas
ações, diferentemente da mudança de postura da Igreja após os anos 60, estavam
sempre voltados para caridade, e não no processo de criação de uma identidade
de luta a partir do fornecimento do material intelectual ao pobre para a tomada
de direção rumo às discussões que dizem respeito à sua condição social.
Em 1951, ainda percebemos
a atuação de famílias pertencentes às elites econômicas e política de Nova
Iguaçu no auxílio a obras de desenvolvimento físico da Igreja (ibidem).
A Diocese de Nova
Iguaçu foi criada em 26 de março de 1960 pela Bula Quandoquidem Verbis do
papa João XXIII. Com território desmembrado das Dioceses de Barra do
Piraí-Volta Redonda e de Petrópolis, abrangia inicialmente os municípios de
Itaguaí, Mangaratiba, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, São João de Meriti e o
distrito de Conrado (Vassouras). Com a criação da Diocese de Itaguaí (14 de março
de 1980) cedeu à nova Diocese os municípios de Itaguaí e Mangaratiba. E à nova
Diocese de Duque de Caxias (11 de outubro de 1980), o município de São João de
Meriti.[1]
Até que Dom Adriano
Mandarino Hypólito assumisse a Diocese em 1966, tivemos outros dois bispos que
o antecederam: Dom Walmor Battú Wichrowski (1960-1961), Dom Honorato Piazera
(1961-1966). Ambos permaneceram um pequeno período de tempo, não concretizando
uma grande significância no que diz respeito à problemática de nosso estudo.
O primeiro bispo de Nova
Iguaçu nasceu em Ijuí/RS, em 27 de outubro de 1920, e estudou nos seminários de
Santa Maria e de São Leopoldo-RS, tendo recebido a ordenação sacerdotal em 1945
na Diocese de Santa Maria-RS. Trabalhou em serviços religiosos no Rio Grande do
Sul, e em seguida foi eleito Bispo Auxiliar de Santos, em 14 de fevereiro de
1958, tendo sido ordenado bispo em Santa Maria a 25 de maio do mesmo ano. Em 15 de junho de 1958 tomou posse como bispo
auxiliar e exerceu estas funções até 23 de abril de 1960.
Veio para a Diocese de Nova Iguaçu em 1960, e em 1961 foi para o Rio Grande do
Sul onde, após exercer vários cargos importantes, resignou como bispo titular
de Felbes para dedicar-se a atividades religiosas e assistenciais. O bispo
faleceu em 2001.[2]
O segundo bispo de nova
Iguaçu, Dom Honorato Piazera nasceu no dia 16 de novembro de 1911 em Jaraguá do
Sul (SC) sendo ordenado presbítero em 30 de novembro de 1936, em Taubaté (SP).
Ordenado bispo em 11 de julho de 1959, foi nomeado auxiliar do cardeal arcebispo
do Rio de Janeiro. Em 14 de dezembro de 1961 foi nomeado bispo diocesano de
Nova Iguaçu (RJ), deixando a diocese em 08 de abril de 1966, quando foi nomeado
bispo coadjutor de Lages com direito a sucessão. Assume ao Diocese de Lages
como seu segundo bispo Diocesano em 08 de novembro de 1973. O bispo faleceu em
1990.[3]
No contexto da criação da
Diocese de Nova Iguaçu, em 1960, havia uma realidade em que muitas pessoas
vinham de várias partes do Brasil com o objetivo de reconstruir suas vidas sob
uma possível prosperidade pautada no crescimento econômico da região sudeste.
Muitas casas e barracos
foram se misturando à paisagem, ainda bem verde em Nova Iguaçu, de maneira
desordenada em diversos loteamentos (BRUNO, 2010, p. 10). E diante de toda esta
situação, havia uma urgência em dar uma mínima estrutura para as pastorais que
se desenvolviam com o passar dos anos e com as demandas crescentes.
Com o Concílio Vaticano
II, o maior peso para colocar em prática as reformas registradas no mesmo ficou
para o bispo Dom Adriano Hypólito, que chegaria em 1966 para engajar a Diocese
de Nova Iguaçu num acirrado polo de resistência na luta em defesa dos Direitos
Humanos.
O bispo Dom Adriano
Mandarino Hypólito nasceu em janeiro de 1918, em Aracajú – Sergipe e,
influenciado pelos franciscanos, completou seus estudos secundários em um
colégio religioso no Paraná, onde ouviu falar pela primeira vez na Baixada
Fluminense. E as notícias das quais o futuro bispo tinha esclarecimento era a crescente violência, miséria, terra de macumba
e de muita, muita corrupção política (DIOCESE DE NOVA IGUAÇU, 2010, p. 11).
Aos 23 anos, Frei Adriano
professou solenemente os votos de Pobreza, Castidade e Obediência, sendo
ordenado padre na Igreja de São Francisco, em Salvador, em outubro de 1942. Seguiu
nos anos posteriores à Europa para aperfeiçoar seus estudos em Teologia,
Antropologia, Filosofia e História, e fez seu catálogo de fotografias das
cidades europeias devastadas pela Segunda Guerra Mundial (ibidem).
Em novembro de 1962 foi
nomeado bispo-auxiliar de Salvador, participando do Concílio Vaticano II nas
sessões de 1963, 1964 e 1965, aperfeiçoando aquilo que colocaria em prática na
Diocese de Nova Iguaçu (ibidem, p. 12).
Chegou em Nova Iguaçu em
1966, nomeado bispo pelo papa Paulo VI, e encontrou uma cidade carregada de
injustiças sociais e problemas políticos e econômicos que converteriam o bispo
à luta pelos direitos essenciais da população.
Em sua atuação, buscou
dialogar com as autoridades na medida que percebia que a violência exercida pela
ditadura ultrapassava os limites que um ser humano poderia aguentar em sua
normalidade.
O bispo recebeu muitas
acusações quanto à sua atuação política. Os sermões que eram ministrados por
ele atingiam as massas que, juntamente com seu projeto de aproximar a Igreja
dos grupos de resistência contra a repressão militar, incomodou a política de
Segurança Nacional, vendo sua atuação como uma ameaça ao governo.
Diante de um cenário
caótico, carregado de problemas sociais, repressão, alto índice de inflação,
desemprego, desigualdades sociais e pobreza, o bispo buscou maneiras de ajudar
os perseguidos pela ditadura, quer seja no amparo jurídico ou mesmo cedendo
espaço para discussões acerca das estratégias traçadas pelos movimentos sociais
em busca de voz.
Após dez anos de atuação,
em 22 de setembro de 1976, ao sair da Cúria o bispo Dom Adriano foi sequestrado
por homens fortemente armados. Foi encapuzado, torturado e teve seu corpo
pintado de vermelho antes de ser largado com algemas e nu numa rua escura em
Jacarepaguá. Seu carro, um Fusca, foi levado para a porta da CNBB, onde
explodiu, assustando muitas pessoas e servindo de ameaça para a instituição
(ibidem).
Conforme aumentava o
clima de hostilidades, o bispo instalou, em 12 de fevereiro de 1978, durante a
Missa Solene de Abertura da Campanha da Fraternidade, a Comissão de Justiça e
paz, com o objetivo de defender os direitos humanos dos cidadãos que sofriam
com a perseguição da ditadura (ibidem).
O bispo recebia cartas e
ligações anônimas, pichações nos muros da Igreja de Santo Antônio da Prata, a
Catedral e a Igreja de Santa Rita com ameaças de que se ele continuasse
mantendo sua atuação política, poderia sofrer ainda castigos piores (ibidem, p.
13).
Em 20 de dezembro de
1979, uma bomba foi detonada mesmo à luz do dia no altar do Santíssimo
Sacramento. Este episódio marcou a história da Igreja no Brasil, pois nenhuma
havia sofrido um atentado até então. A acusação dos criminosos era de que o
bispo protegia os comunistas (ibidem).
Num protesto formado por
um mutirão silencioso, padres, freiras e agentes de pastoral foram explicar o
acontecido enquanto todas as paróquias da Diocese de Nova Iguaçu se mantinham
fechadas.
No dia 30 de dezembro de
1979 uma procissão com pelo menos 10 mil pessoas marcou o descontentamento com
a repressão. Muitos opositores, inclusive membros da CNBB, OAB e AIB se
juntaram prestigiando o ato de indignação com a violência e os conflitos
existentes que prejudicavam o crescimento da sociedade (ibidem).
Diante dos
acontecimentos, diversas mídias noticiaram o sequestro e os atentados contra o
bispo e a Diocese de Nova Iguaçu.
No Diário Oficial do
Estado do Rio de Janeiro (23/09/76, p. 2932 e 2933) o Sr. Aluisio Gama faz um
pronunciamento condenando o sequestro e revelando detalhes dos sequestradores:
“muito espancado por dois homens, um
preto e um branco”.
A Câmara de deputados
também estava ligada nos acontecimentos. O Sr. deputado Edson Khair também se
manifestou destacando “a explosão do
carro do sobrinho de Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu, que também foi
sequestrado e as bombas nas sedes da ABI e da OAB (ibidem).
Complementou ressaltando
que “os vexames que sofreu Dom Adriano
Hypólito, tendo sido despojado de suas vestes e seviciado”, afetavam todo o
Brasil. “Temos que hipotecar solidariedade
a D. Adriano Hypólito e ao Sr. Roberto Marinho contra a ação desse grupo que se
intitula ‘Aliança Anticomunista Brasileira’”, complementa destacando também
o atentado contra o presidente da rede Globo Roberto Marinho onde uma bomba
explodiu próximo a janela de seu quarto (ibidem).
O Sr. Deno dos Santos se
pronunciou dizendo:
Quero ainda dizer
a V. Exa que, enquanto ouvia, com atenção, o brilhante discurso que está sendo
pronunciado, lembrava-me de um discurso proferido, no Senado Federal, pelo Senador
Teotônio Vilela, quando denunciou que há, nesta República, um poder invisível.
Sim. Há um poder invisível que usa o sequestro como meio de intimidação, que
usa a tortura política como meio de dirigir o ímpeto oposicionista do povo
brasileiro. Há um poder invisível que usa o Decreto-Lei 477, ou a suspensão de
alunos, como meio também de impedir que o estudante, em sua faculdade, levante
as reivindicações específicas e discuta problemas de interesse nacional. Agora,
parece-me, Sr. Deputado, que esse poder invisível, não satisfeito com a soma de
poderes excepcionais que tem em suas mãos, esse poder invisível passou a usar a
bomba como recurso in extremis para a
sua manutenção (ibidem).
Nesta fala, diante dos
deputados da Câmara, Santos fala com clareza sobre os acontecimentos que
marcaram a atuação do aparato repressivo da ditadura militar. Desde o uso da
força direta (o sequestro e as bombas) até uma força indireta, que se baseava
no uso da autoridade para impedir estudantes de reivindicarem seus direitos.
Após o sequestro, o bispo
se encontrou com os religiosos de Nova Iguaçu na ministração da Santa Missa.
Neste reencontro, marcaram presença lideranças do Brasil inteiro que se
sensibilizaram com a causa (O PONTUAL – 03/10/79).
Apesar de sentir o peso
das agressões e das ameaças, o bispo recebeu de maneira diferente o episódio.
Todo o Brasil fora mobilizado por esta causa, fortalecendo a figura de
liderança do bispo e tornando-o ainda mais popular no meio dos atores sociais
que participavam dos movimentos de resistência contra a ditadura.
O bispo Waldyr Calheiros
também deu uma declaração falando sobre o bispo diante desta situação delicada
pela qual passara:
quando Dom Adriano
fala em nome dos pobres, passa a ser considerado “perigoso” porque estremece aqueles
que estão lá em cima, que são os que querem que a Igreja cuide apenas do lado
espiritual e esqueça que a Vida Eterna pregada no Evangelho de Cristo começa
aqui. Dom Adriano recebeu um dom e não vão calar-lhe a boca. Deus quer que ele
interprete o seu Evangelho para o povo (O PONTUAL, 06/10/76).
Diante
da repercussão do sequestro do bispo, foram instauradas algumas tentativas de
investigação para encontrarem os sequestradores do bispo. Num relato do jornal
“O Fluminense”, de Niterói (24/09/76), um suspeito do sequestro havia sido
preso após trocar tiros com a polícia. Era o único suspeito que haviam
encontrado, mas mesmo assim não se pôde provar nada a respeito e o caso não foi
levado adiante, embora o Jornal Movimento tenha denunciado um tenente-coronel
da Vila Militar como responsável pelo acontecido..
No
jornal “O DIA” (26/11/76) podemos perceber que houve uma forte pressão por
parte da imprensa e das figuras públicas por descobrirem o paradeiro dos
sequestradores. “(...)o delegado Borges
fortes, da DPPS, pediu-lhe que fizesse um ‘retrato falado’ de seus
sequestradores, pois – segundo o policial – havia uma forte pressão por parte
da opinião pública.”
O
mesmo jornal trazia uma crítica ao governo e um elogio à prática da Igreja na
América Latina. Muitos militantes tinham suas bases políticas formadas a partir
da ligação que tiveram com a Igreja. A orientação política designava pessoas a
lutarem contra as injustiças sofridas e os excessos de violência cometidos
pelos militares.
A Igreja vem
procurando analisar todos os problemas que vêm envolvendo a América Latina. Vem
lutando pela liberdade de Imprensa que é a válvula da denúncia para o
conhecimento da opinião pública (ibidem).
O
descontentamento com o episódio do sequestro dominava a opinião pública como um
ato de repúdio contra os responsáveis. Os militares não assumiam a autoria do
crime, pois após esse período, a censura passou a afrouxar rumo a uma abertura
controlada.
A
Gazeta de Notícias (28/09/76) noticia um pronunciamento do Papa em relação ao
sequestro do bispo de Nova Iguaçu. Era sinal de uma repercussão que perpassava
o âmbito nacional e tomava contornos mundiais.
No
artigo do jornal é revelado que o “Papa
Paulo VI protestou energicamente ontem, aqui contra a violência desatada na
América Latina, em especial contra os sacerdotes e, principalmente, na
Argentina e no Brasil” (ibidem). A imagem da ditadura recebia críticas no
cenário internacional no que diz respeito à postura oficial da Igreja Católica
Apostólica Romana. O propósito de intimidação do bispo acabou gerando uma nova
orientação crítica contra os propósitos autoritários do governo.
O
mesmo periódico citado acima, um dia seguinte após anunciar o pronunciamento do
Papa Paulo VI, revelou que Dom Adriano Hypólito tinha distribuído a quase trezentas
pessoas presentes em uma aparição pública um agradecimento e um documento no
qual contava detalhadamente a situação de horror com a qual tinha sido
submetido à força (ibidem, 29/09/76).
O
bispo buscou pronunciar-se com firmeza e criticar severamente a imposição dos
sequestradores em relação ao seu fazer político. Esta postura fortaleceu sua
figura de liderança e atraiu outros grupos para a atuação na resistência contra
a violação dos direitos humanos na Baixada Fluminense.
O
bispo, em entrevista para O Globo (23/09/76), faz uma acusação aos possíveis
responsáveis pelos sequestros e torturas na região. Para tanto, segundo o
jornal, o bispo iguaçuano “vem afirmando,
desde 1974 que, em sua opinião, o Esquadrão da Morte é formado, basicamente,
por policiais e por alcaguetes, desprovidos de qualquer espírito cristão e
capazes de matar um operário que tenha sido preso por falta de documentos”.
Seria
a acusação de que muito provavelmente, como vimos no nosso texto, se tratava de
uma estratégia do governo em perseguir e desmantelar organizações que lutavam
pelos direitos humanos e protegiam os perseguidos pelo regime.
Diante
da pressão e dos pronunciamentos dos simpatizantes da causa da Igreja, segundo
O Globo (24/09/76),
O Ministro da
Justiça, Armando Falcão, disse ontem (...) que “o governo repudia com veemência
os crimes praticados, inteiramente contrários à formação e a índole do povo
brasileiro. Condena-os, partam de onde partirem. Estamos acompanhando as
diligências de âmbito estadual, para descoberta de autoria e punição legal dos
eventuais responsáveis.”
Mas tal declaração do
Ministro foi seguida de uma advertência ao jornal: “cuidado com o que vocês vão escrever”. Era uma oficialização do
posicionamento do governo diante da mídia, porém, sem muitos esforços que
realmente condigam com o interesse em achar os culpados. Para tanto, não
poderia haver um esforço muito grande, pois os culpados poderiam ser militares
próximos ou capangas a mando dos mesmos, o que atrapalharia os objetivos do
processo de abertura controlada.
Dom Geraldo Fernandes,
representando a CNBB, afirmou que havia uma relação entre os atentados na ABI,
OAB e o sequestro do bispo Dom Adriano Hypólito. Para o mesmo, “a relação entre os três é que costumamos
falar, e falar claro. Somo nós que emitimos opinião” (ibidem).
Diante da manifestação de
Dom Adriano e outros bispos a favor da diminuição da venda de arma, o
Secretário de Segurança de São Paulo disse que há “intromissão da Igreja nos assuntos de Polícia” (ibidem). E esta
fala vai ser reproduzida pelos grupos de extermínio que vão trabalhar na
Baixada Fluminense e ameaçar a segurança de diversos ativistas socias da região
que eram apoiados pelo bispo.
Para causar discórdia no
meio da igreja, o semanário litúrgico A Folha, de 29/05/77, edição de
Pentecostes, foi falsificado e teve milhares de exemplares distribuídos nas
igrejas da Baixada Fluminense.
No dia 19/06/77, segundo
o coordenador do Arquivo da Cúria Diocesana, Antônio Lacerda de Meneses, por
determinação do Comandante do 1º Exército, foi cancelada uma conferência de
Direitos Humanos para a constituição de uma Comissão Diocesana de Justiça e Paz
que se realizaria no Centro de Formação da Diocese de Nova Iguaçu.
Eram sinais claros da
interferência direta dos militares nas atividades da Igreja em relação à busca
pela justiça e pela denúncia à maneira dos militares de lidarem com a oposição.
No dia anterior ao cerco
que impediu a reunião, elementos que não estavam uniformizados e não se
declaravam militares procuraram repetidas vezes o Centro de Formação sob os
mais diversos pretextos para a tentativa de neutralizar e dificultar a
mobilização da Igreja junto à resistência.
Estes episódios marcaram
a violência e truculência dos militares na tentativa de repelir a ação do bispo
junto aos movimentos de resistência contra a imposição dos militares e em busca
por melhores condições de vida.
Políticos de diversas
agremiações como ARENA, MDB, também o Senado e a Câmara manifestaram repulsa
aos atos que marcaram o sequestro e os atentados contra a Catedral de Nova
Iguaçu.
A maneira com que o bispo
reagiu às ameaças foi buscando apoio em outros grupos de resistência e, com a
abertura das mídias, as notícias deram mais visibilidade para a ação da Igreja,
tornando uma possível morte do bispo como uma apunhalada nas costas dos
próprios militares, com medo de um martírio do bispo e um fortalecimento dos
movimentos a partir de uma possível revolta com a morte do mesmo.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS.
DOCUMENTAÇÃO.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 1 – 1º de janeiro de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 2 – 1º de fevereiro de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 3 – 1º de março de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 4 – 1º de abril de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 5 – 1º de maio de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 6 – 1º de junho de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 7 – 1º de julho de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 8 – 1º de agosto de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 9 – 1º de setembro de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 10 – 1º de outubro de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 11 – 1º de novembro de 1969.
Boletim
Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 12 – 1º de dezembro de 1969.
Cartilha
“Celebração das Comunidades”. Diocese de Nova Iguaçu, 19 de julho de 1988.
Diário
Oficial do Estado do Rio de Janeiro – 23/09/1976, p. 2932 e 2933.
Jornal
do Brasil – 03/08/86.
Jornal
“Gazeta de Notícias” – 28/09/76.
Jornal
“O Dia” – 26/11/1976.
Jornal
“O Fluminense” – 24/09/76, 28/09/76 e 29/09/76.
Jornal
“O Globo” – 23/09/76, 24/09/76, 13/11/94.
Jornal
“O Pontual” – 03/10/79 e 06/10/79.
Jornal
“Tribuna da Imprensa” – 19/11/79.
Livro
do Sequestro de Dom Adriano Hypólito – Arquivo da Cúria Diocesana de Nova
Iguaçu.
Revista Diocese de
Nova Iguaçu. Edição de 50 anos de Missão. Nova Iguaçu: Diocese de Nova Iguaçu,
2010.
Revista Manchete –
19/03/79.
Revista Municípios
do Brasil. Edição especial sobre Nova Iguaçu. Rio de Janeiro: 19 EDINAL, 1988.
Revista Veja –
03/03/77.
Semanário
“A Folha” – 29/05/77.
BIBLIOGRAFIA.
ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984).
Petrópolis: Editora Vozes, 1984.
ASSIS,
João Marcos Figueiredo. Negociações para o convívio no catolicismo na
Diocese de Nova Iguaçu. Tese (doutorado) Ciências Sociais. Rio de Janeiro:
PPCIS/UERJ, 2008.
__________________________.
Agentes religiosos e o enfrentamento ao regime civil-militar no Brasil.
Revista do ICSA Gestão e Desenvolvimento, Novo Hamburgo, Ano XI, n.2, p. 44-61,
ago.2014.
ASSIS,
João Marcos Figueiredo. ASSIS, Maria Evonilde C.F. Militância e
Subjetividade: as influências da atuação religiosa e sócio-política de Dom
Adriano Hypólito. XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora
(MG), GT 03: Religião e política: o saber religioso da política e o saber
político do religioso.
AZEREDO,
Luiz Martins de. Padre João: Apóstolo de Bem em Nova Iguaçu. Edição da
Diocese de Nova Iguaçu, 1980.
BANDEIRA,
Fabiana. Memórias do “encouraçado de pedra”: marinheiros, prisão e luta
política. IN: THIESEN, Icléia. Imagens da clausura na ditadura de 1964. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2011.
BETTAMIO,
Rafaella. O DOI-CODI do Rio de Janeiro na memória de ex-prisioneiros
políticos. IN: THIESEN, Icléia. Imagens da clausura na ditadura de 1964.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.
BEZERRA, Paulo
César Gomes. A constituição de uma
autoridade na narração do passado. Entre a história e a memória: a atuação dos
bispos católicos na ditadura militar brasileira. ANPUH – XXV Simpósio
Nacional de História – Fortaleza, 2009.
BOFF, Leonardo. Teologia do Cativeiro e da Libertação.
Petrópolis: Ed. Vozes, 1980. 2º Edição.
_______________. Eclesiogênese: A Reinvenção da Igreja –
Record – 2008.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel
Editorial Ltda, 1989.
BRUNEAU, Thomas
C.. Church and Politics in Brasil: the
Genesis of Change. Journal of Latin-American Studies, Cambridge University
Press, nº 17, Novembro de 1985, p. 286-29.
BRUNO, Padre Luigi
Constanzo. Concílio Vaticano II –
Inspiração para uma nova Igreja. IN: Revista Diocese de Nova Iguaçu. Edição
de 50 anos de Missão. Nova Iguaçu: Diocese de Nova Iguaçu, 2010.
CALDART, Roseli. Pedagogia do MST. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.
CASTELLS,
Manuel. A Era da Informação: Economia,
Sociedade e Cultura. Vol 2 – O Poder da Identidade. Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 2003.
DIOCESE DE NOVA
IGUAÇU. O povo de Deus assume a
caminhada. Petrópolis: Vozes/IDAC, 1983.
DUBAR, Claude. A socialização – Construção das identidades
sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FRIGOTTO,
Gaudêncio. Reformas educativas e o
retrocesso democrático no Brasil nos anos 90. IN: LINHARES, Célia (org). Os
professores e a reinvenção da escola: Brasil e Espanha. São Paulo: Editora
Cortez, 2001.
GRAMSCI,
Antonio. Cadernos do cárcere. Volume 3:
Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2011.
MOURIAUX, René,
BEROLD, Sophie. Para uma definição do
conceito de “movimento social”. In: OLIVEIRA, Francisco de, RIZEK, Cibele
Saliba. A era da indeterminação. São
RAMOS, Lílian M.
P. C.. A relação Igreja Católica e
educação popular no Brasil entre 1960 e 1990. IN: RAMOS, Lílian M. P. C..
Igreja, Estado e Educação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Papel Virtual,
2005.
SANA,
Peter. Liberdade dos homens e liberdade
de Deus: D. Adriano Mandarino Hypólito
e a Ordem dos Militares em Nova Iguaçu. Monografia (Graduação em História). Faculdade de Educação e Letras,
Universidade Iguaçu, Nova Iguaçu, 2009.
___________. A dimensão educativa do pensamento e da
ação do bispo D. Adriano Hypólito nas lutas sociais da Baixada Fluminense no
período da ditadura militar (1964-1985). 2015. 182 f. Dissertação (Mestrado
em Educação, contextos contemporâneos e demandas populares). Instituto
Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica,
2015.
SANTOS, Theotônio
dos. A crise e os Movimentos Sociais no
Brasil. Revista Política e Administração, vol 1 – nº 2 – julho-setembro
1985 – Rio de Janeiro, Fundação Escola de Serviço Público.
MAINWARING, Scott.
Igreja Católica e Política no Brasil –
1916 – 1985. São Paulo: Brasiliense, 1989.
SERAFIM, Adriana
S. A Missa Da Unidade entre faixas e
crucifixos: hierarquia e política na Diocese de Nova Iguaçu (1982). 2013.
120 f. Dissertação. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica. 2013.
SILVA, Luiz
Fernando Mangea da. A atuação do bispo
d. Waldyr Calheiros de Novaes frente à Diocese de Barra do Piraí/Volta Redonda.
Anais do XV Encontro Regional de História da Anpuh-Rio, São Gonçalo, 2012.
TAVARES, Percival.
Origem e trajetória do Movimento Amigos
de Bairros em Nova Iguaçu (1974-1992). 1993. 377 f. Dissertação (Mestrado
em Educação). Instituto de Estudos Avançados em Educação, Fundação Getúlio
Vargas, Rio de Janeiro, 1993.
[1] Fonte: http://www.mitrani.org.br/historia.html
visitado em 05/08/2018.
[2] Fonte: https://www.diocesedesantos.com.br/clero/a_001/
visitado em 05/08/2018.
[3] Fonte: http://www.diocesedelages.org.br/bispos.htm
visitado em 05/08/2018.