sábado, 14 de dezembro de 2024

Artigo - Seminário interno 2018 - UERJ / FFP - Tortura e medo na Baixada Fluminense - PETER SANA

 

Tortura e medo na Baixada Fluminense: Dom Adriano Hypólito e a luta contra a repressão.

 

Peter Sana

UERJ – FFP - PPGHS

 

No início do século XX, a população da Baixada Fluminense em sua maioria estava na posição de simples e apáticos observadores no que diz respeito à participação política. Segundo Waldick Pereira (1977, p. VII), a população era levada por influência dos discursos dos partidos políticos desligados da realidade da comunidade, quer seja em função da própria ausência de raízes históricas desta população, ou seja, pela caracterização das cidades da Baixada, principalmente no nosso caso de estudo, Nova Iguaçu, como cidades-dormitório.

Este princípio limitava o sentimento de pertencimento a uma terra, a identidade de cidadão desta região ainda não tinha traçado os laços que viriam ser incorporados à luta.

Para tanto, existia um proveito muito ousado por parte das classes políticas no que diz respeito ao benefício próprio do discurso político para garantia de privilégios particulares. E o ciclo da laranja ajudou a avolumar este contingente de proveito no jogo político, criando uma tradição política pautada no elitismo que, com o fim deste ciclo, transformou as terras de Nova Iguaçu em grandes loteamentos amontoados sem planejamento (ibidem).

Nilo Peçanha, quer seja como presidente da República ou Governador do Estado do Rio de Janeiro continuou com a proposta deste tipo de política na região, impulsionando as famílias tradicionais que se estabeleciam no poder a se efetivarem definitivamente (ibidem, p. 115).

A concentração de imóveis nas mãos de poucos acentuou as diferenças sociais na Baixada, e logo a situação de pobreza trazia contornos bem trágicos para as necessidades básicas de uma família de baixa renda na região.

Era interessante que houvesse um grande contingente de trabalhadores para o exercício de funções mais brutas no plantio e colheita da laranja. Portanto, garantir este contingente era garantir lucros para estas famílias e condicionar o sucesso financeiro somente a uma parte da população e, consequentemente, grandes dividendos aos cofres públicos.

A visita do Presidente Washington Luís, em 1929, e sua comitiva cercou-se de ruidosa festividade e serviu para consolidar o prestígio de uma nova elite social de Iguaçu – “os laranjeiros” (ibidem, p.126).

A Associação dos Fruticultores de Iguaçu gerou uma elite consideravelmente ativa neste ciclo econômico da cidade. O presidente da instituição fazia um acompanhamento bem severo junto às autoridades políticas buscando maneiras de garantir aos cultivadores as melhores condições, quer seja no legislativo, ou mesmo no nível de incentivos fiscais que favoreciam o cultivo de cítricos na região (ibidem).

A maioria dos religiosos que se encontravam na região de Nova Iguaçu também eram de fora, ou seja, não haviam nascido em nenhuma região correspondente à Baixada Fluminense.

O padre João Müsh, um dos iniciadores do projeto eclesiástico em Nova Iguaçu era alemão e veio em missão para o Brasil em 1910. Sua trajetória na formação religiosa passou por Santa Catarina – Florianópolis, depois fora para o Rio Grande do Sul, onde ficou por dez anos no Seminário Provincial de São Leopoldo. Em 1928, o bispo de Barra de Piraí Guilherme Müller nomeou João Müsh vigário de Paracambi e Nilópolis, com posse em 11 de novembro, e em dezembro nomeado vigário da Paróquia de Santo Antônio de Jacutinga (Sana, 2009, p. 8).

Em 1930 percebemos o quanto a instituição religiosa se aproximava das elites iguaçuanas, desenvolvendo uma relação amistosa e de troca de interesses (ibidem, p. 9).

No ano de 1931, com a visita do então presidente Getúlio Vargas, a presença da Igreja foi registrada diante de diversos membros da elite econômica e política da região (ibidem).

Na lista dos 62 exportadores de laranja de Nova Iguaçu do ano de 1934, os três maiores eram ítalo-iguaçuanos: Alberto Cocozza, Francisco Baroni e Pantaleão Rinaldi. Desde as orações singelas das mammas à alegria contagiante de Ugo Papaleo, resoureiro da festa de Santo Antônio, às doações do Comendador BAroni para a ampliação da Matriz de Santo Antônio e construção de várias igrejas, a Pequena Calábria foi fundamental na construção da Igreja de Nova Iguaçu.

Neste contexto, diante do distanciamento da Igreja em relação às classes menos abastadas, o avanço de outras religiosidades passou a integrar o quadro espiritual em Nova Iguaçu, e a ação da Igreja se voltou a montar uma base que desse sustento ao desenvolvimento da cultura católica na região. Então surgiu o Colégio Santo Antônio, criado principalmente para fazer frente ao Ginásio Leopoldo Machado, que mantinha uma linha espírita em seu corpo docente e na sua metodologia de ensino (ibidem, p. 10).

O desenvolvimento de suas ações, diferentemente da mudança de postura da Igreja após os anos 60, estavam sempre voltados para caridade, e não no processo de criação de uma identidade de luta a partir do fornecimento do material intelectual ao pobre para a tomada de direção rumo às discussões que dizem respeito à sua condição social.

Em 1951, ainda percebemos a atuação de famílias pertencentes às elites econômicas e política de Nova Iguaçu no auxílio a obras de desenvolvimento físico da Igreja (ibidem).

A Diocese de Nova Iguaçu foi criada em 26 de março de 1960 pela Bula Quandoquidem Verbis do papa João XXIII. Com território desmembrado das Dioceses de Barra do Piraí-Volta Redonda e de Petrópolis, abrangia inicialmente os municípios de Itaguaí, Mangaratiba, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, São João de Meriti e o distrito de Conrado (Vassouras). Com a criação da Diocese de Itaguaí (14 de março de 1980) cedeu à nova Diocese os municípios de Itaguaí e Mangaratiba. E à nova Diocese de Duque de Caxias (11 de outubro de 1980), o município de São João de Meriti.[1]

 Até que Dom Adriano Mandarino Hypólito assumisse a Diocese em 1966, tivemos outros dois bispos que o antecederam: Dom Walmor Battú Wichrowski (1960-1961), Dom Honorato Piazera (1961-1966). Ambos permaneceram um pequeno período de tempo, não concretizando uma grande significância no que diz respeito à problemática de nosso estudo.

O primeiro bispo de Nova Iguaçu nasceu em Ijuí/RS, em 27 de outubro de 1920, e estudou nos seminários de Santa Maria e de São Leopoldo-RS, tendo recebido a ordenação sacerdotal em 1945 na Diocese de Santa Maria-RS. Trabalhou em serviços religiosos no Rio Grande do Sul, e em seguida foi eleito Bispo Auxiliar de Santos, em 14 de fevereiro de 1958, tendo sido ordenado bispo em Santa Maria a 25 de maio do mesmo ano.  Em 15 de junho de 1958 tomou posse como bispo auxiliar e exerceu estas funções até 23 de abril de 1960.
Veio para a Diocese de Nova Iguaçu em 1960, e em 1961 foi para o Rio Grande do Sul onde, após exercer vários cargos importantes, resignou como bispo titular de Felbes para dedicar-se a atividades religiosas e assistenciais. O bispo faleceu em 2001.[2]

O segundo bispo de nova Iguaçu, Dom Honorato Piazera nasceu no dia 16 de novembro de 1911 em Jaraguá do Sul (SC) sendo ordenado presbítero em 30 de novembro de 1936, em Taubaté (SP). Ordenado bispo em 11 de julho de 1959, foi nomeado auxiliar do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro. Em 14 de dezembro de 1961 foi nomeado bispo diocesano de Nova Iguaçu (RJ), deixando a diocese em 08 de abril de 1966, quando foi nomeado bispo coadjutor de Lages com direito a sucessão. Assume ao Diocese de Lages como seu segundo bispo Diocesano em 08 de novembro de 1973. O bispo faleceu em 1990.[3]

No contexto da criação da Diocese de Nova Iguaçu, em 1960, havia uma realidade em que muitas pessoas vinham de várias partes do Brasil com o objetivo de reconstruir suas vidas sob uma possível prosperidade pautada no crescimento econômico da região sudeste.

Muitas casas e barracos foram se misturando à paisagem, ainda bem verde em Nova Iguaçu, de maneira desordenada em diversos loteamentos (BRUNO, 2010, p. 10). E diante de toda esta situação, havia uma urgência em dar uma mínima estrutura para as pastorais que se desenvolviam com o passar dos anos e com as demandas crescentes.

Com o Concílio Vaticano II, o maior peso para colocar em prática as reformas registradas no mesmo ficou para o bispo Dom Adriano Hypólito, que chegaria em 1966 para engajar a Diocese de Nova Iguaçu num acirrado polo de resistência na luta em defesa dos Direitos Humanos.

O bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito nasceu em janeiro de 1918, em Aracajú – Sergipe e, influenciado pelos franciscanos, completou seus estudos secundários em um colégio religioso no Paraná, onde ouviu falar pela primeira vez na Baixada Fluminense. E as notícias das quais o futuro bispo tinha esclarecimento era a crescente violência, miséria, terra de macumba e de muita, muita corrupção política (DIOCESE DE NOVA IGUAÇU, 2010, p. 11).

Aos 23 anos, Frei Adriano professou solenemente os votos de Pobreza, Castidade e Obediência, sendo ordenado padre na Igreja de São Francisco, em Salvador, em outubro de 1942. Seguiu nos anos posteriores à Europa para aperfeiçoar seus estudos em Teologia, Antropologia, Filosofia e História, e fez seu catálogo de fotografias das cidades europeias devastadas pela Segunda Guerra Mundial (ibidem).

Em novembro de 1962 foi nomeado bispo-auxiliar de Salvador, participando do Concílio Vaticano II nas sessões de 1963, 1964 e 1965, aperfeiçoando aquilo que colocaria em prática na Diocese de Nova Iguaçu (ibidem, p. 12).

Chegou em Nova Iguaçu em 1966, nomeado bispo pelo papa Paulo VI, e encontrou uma cidade carregada de injustiças sociais e problemas políticos e econômicos que converteriam o bispo à luta pelos direitos essenciais da população.

Em sua atuação, buscou dialogar com as autoridades na medida que percebia que a violência exercida pela ditadura ultrapassava os limites que um ser humano poderia aguentar em sua normalidade.

O bispo recebeu muitas acusações quanto à sua atuação política. Os sermões que eram ministrados por ele atingiam as massas que, juntamente com seu projeto de aproximar a Igreja dos grupos de resistência contra a repressão militar, incomodou a política de Segurança Nacional, vendo sua atuação como uma ameaça ao governo.

Diante de um cenário caótico, carregado de problemas sociais, repressão, alto índice de inflação, desemprego, desigualdades sociais e pobreza, o bispo buscou maneiras de ajudar os perseguidos pela ditadura, quer seja no amparo jurídico ou mesmo cedendo espaço para discussões acerca das estratégias traçadas pelos movimentos sociais em busca de voz.

Após dez anos de atuação, em 22 de setembro de 1976, ao sair da Cúria o bispo Dom Adriano foi sequestrado por homens fortemente armados. Foi encapuzado, torturado e teve seu corpo pintado de vermelho antes de ser largado com algemas e nu numa rua escura em Jacarepaguá. Seu carro, um Fusca, foi levado para a porta da CNBB, onde explodiu, assustando muitas pessoas e servindo de ameaça para a instituição (ibidem).

Conforme aumentava o clima de hostilidades, o bispo instalou, em 12 de fevereiro de 1978, durante a Missa Solene de Abertura da Campanha da Fraternidade, a Comissão de Justiça e paz, com o objetivo de defender os direitos humanos dos cidadãos que sofriam com a perseguição da ditadura (ibidem).

O bispo recebia cartas e ligações anônimas, pichações nos muros da Igreja de Santo Antônio da Prata, a Catedral e a Igreja de Santa Rita com ameaças de que se ele continuasse mantendo sua atuação política, poderia sofrer ainda castigos piores (ibidem, p. 13).

Em 20 de dezembro de 1979, uma bomba foi detonada mesmo à luz do dia no altar do Santíssimo Sacramento. Este episódio marcou a história da Igreja no Brasil, pois nenhuma havia sofrido um atentado até então. A acusação dos criminosos era de que o bispo protegia os comunistas (ibidem).

Num protesto formado por um mutirão silencioso, padres, freiras e agentes de pastoral foram explicar o acontecido enquanto todas as paróquias da Diocese de Nova Iguaçu se mantinham fechadas.

No dia 30 de dezembro de 1979 uma procissão com pelo menos 10 mil pessoas marcou o descontentamento com a repressão. Muitos opositores, inclusive membros da CNBB, OAB e AIB se juntaram prestigiando o ato de indignação com a violência e os conflitos existentes que prejudicavam o crescimento da sociedade (ibidem).

Diante dos acontecimentos, diversas mídias noticiaram o sequestro e os atentados contra o bispo e a Diocese de Nova Iguaçu.

No Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (23/09/76, p. 2932 e 2933) o Sr. Aluisio Gama faz um pronunciamento condenando o sequestro e revelando detalhes dos sequestradores: “muito espancado por dois homens, um preto e um branco”.

A Câmara de deputados também estava ligada nos acontecimentos. O Sr. deputado Edson Khair também se manifestou destacando “a explosão do carro do sobrinho de Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu, que também foi sequestrado e as bombas nas sedes da ABI e da OAB (ibidem).

Complementou ressaltando que “os vexames que sofreu Dom Adriano Hypólito, tendo sido despojado de suas vestes e seviciado”, afetavam todo o Brasil. “Temos que hipotecar solidariedade a D. Adriano Hypólito e ao Sr. Roberto Marinho contra a ação desse grupo que se intitula ‘Aliança Anticomunista Brasileira’”, complementa destacando também o atentado contra o presidente da rede Globo Roberto Marinho onde uma bomba explodiu próximo a janela de seu quarto (ibidem).

O Sr. Deno dos Santos se pronunciou dizendo:

Quero ainda dizer a V. Exa que, enquanto ouvia, com atenção, o brilhante discurso que está sendo pronunciado, lembrava-me de um discurso proferido, no Senado Federal, pelo Senador Teotônio Vilela, quando denunciou que há, nesta República, um poder invisível. Sim. Há um poder invisível que usa o sequestro como meio de intimidação, que usa a tortura política como meio de dirigir o ímpeto oposicionista do povo brasileiro. Há um poder invisível que usa o Decreto-Lei 477, ou a suspensão de alunos, como meio também de impedir que o estudante, em sua faculdade, levante as reivindicações específicas e discuta problemas de interesse nacional. Agora, parece-me, Sr. Deputado, que esse poder invisível, não satisfeito com a soma de poderes excepcionais que tem em suas mãos, esse poder invisível passou a usar a bomba como recurso in extremis para a sua manutenção (ibidem).

Nesta fala, diante dos deputados da Câmara, Santos fala com clareza sobre os acontecimentos que marcaram a atuação do aparato repressivo da ditadura militar. Desde o uso da força direta (o sequestro e as bombas) até uma força indireta, que se baseava no uso da autoridade para impedir estudantes de reivindicarem seus direitos.

Após o sequestro, o bispo se encontrou com os religiosos de Nova Iguaçu na ministração da Santa Missa. Neste reencontro, marcaram presença lideranças do Brasil inteiro que se sensibilizaram com a causa (O PONTUAL – 03/10/79).

Apesar de sentir o peso das agressões e das ameaças, o bispo recebeu de maneira diferente o episódio. Todo o Brasil fora mobilizado por esta causa, fortalecendo a figura de liderança do bispo e tornando-o ainda mais popular no meio dos atores sociais que participavam dos movimentos de resistência contra a ditadura.

O bispo Waldyr Calheiros também deu uma declaração falando sobre o bispo diante desta situação delicada pela qual passara:

quando Dom Adriano fala em nome dos pobres, passa a ser considerado “perigoso” porque estremece aqueles que estão lá em cima, que são os que querem que a Igreja cuide apenas do lado espiritual e esqueça que a Vida Eterna pregada no Evangelho de Cristo começa aqui. Dom Adriano recebeu um dom e não vão calar-lhe a boca. Deus quer que ele interprete o seu Evangelho para o povo (O PONTUAL, 06/10/76).

Diante da repercussão do sequestro do bispo, foram instauradas algumas tentativas de investigação para encontrarem os sequestradores do bispo. Num relato do jornal “O Fluminense”, de Niterói (24/09/76), um suspeito do sequestro havia sido preso após trocar tiros com a polícia. Era o único suspeito que haviam encontrado, mas mesmo assim não se pôde provar nada a respeito e o caso não foi levado adiante, embora o Jornal Movimento tenha denunciado um tenente-coronel da Vila Militar como responsável pelo acontecido..

No jornal “O DIA” (26/11/76) podemos perceber que houve uma forte pressão por parte da imprensa e das figuras públicas por descobrirem o paradeiro dos sequestradores. “(...)o delegado Borges fortes, da DPPS, pediu-lhe que fizesse um ‘retrato falado’ de seus sequestradores, pois – segundo o policial – havia uma forte pressão por parte da opinião pública.”

O mesmo jornal trazia uma crítica ao governo e um elogio à prática da Igreja na América Latina. Muitos militantes tinham suas bases políticas formadas a partir da ligação que tiveram com a Igreja. A orientação política designava pessoas a lutarem contra as injustiças sofridas e os excessos de violência cometidos pelos militares.

A Igreja vem procurando analisar todos os problemas que vêm envolvendo a América Latina. Vem lutando pela liberdade de Imprensa que é a válvula da denúncia para o conhecimento da opinião pública (ibidem).

O descontentamento com o episódio do sequestro dominava a opinião pública como um ato de repúdio contra os responsáveis. Os militares não assumiam a autoria do crime, pois após esse período, a censura passou a afrouxar rumo a uma abertura controlada.

A Gazeta de Notícias (28/09/76) noticia um pronunciamento do Papa em relação ao sequestro do bispo de Nova Iguaçu. Era sinal de uma repercussão que perpassava o âmbito nacional e tomava contornos mundiais.

No artigo do jornal é revelado que o “Papa Paulo VI protestou energicamente ontem, aqui contra a violência desatada na América Latina, em especial contra os sacerdotes e, principalmente, na Argentina e no Brasil” (ibidem). A imagem da ditadura recebia críticas no cenário internacional no que diz respeito à postura oficial da Igreja Católica Apostólica Romana. O propósito de intimidação do bispo acabou gerando uma nova orientação crítica contra os propósitos autoritários do governo.

O mesmo periódico citado acima, um dia seguinte após anunciar o pronunciamento do Papa Paulo VI, revelou que Dom Adriano Hypólito tinha distribuído a quase trezentas pessoas presentes em uma aparição pública um agradecimento e um documento no qual contava detalhadamente a situação de horror com a qual tinha sido submetido à força (ibidem, 29/09/76).

O bispo buscou pronunciar-se com firmeza e criticar severamente a imposição dos sequestradores em relação ao seu fazer político. Esta postura fortaleceu sua figura de liderança e atraiu outros grupos para a atuação na resistência contra a violação dos direitos humanos na Baixada Fluminense.

O bispo, em entrevista para O Globo (23/09/76), faz uma acusação aos possíveis responsáveis pelos sequestros e torturas na região. Para tanto, segundo o jornal, o bispo iguaçuano “vem afirmando, desde 1974 que, em sua opinião, o Esquadrão da Morte é formado, basicamente, por policiais e por alcaguetes, desprovidos de qualquer espírito cristão e capazes de matar um operário que tenha sido preso por falta de documentos”.

Seria a acusação de que muito provavelmente, como vimos no nosso texto, se tratava de uma estratégia do governo em perseguir e desmantelar organizações que lutavam pelos direitos humanos e protegiam os perseguidos pelo regime.

Diante da pressão e dos pronunciamentos dos simpatizantes da causa da Igreja, segundo O Globo (24/09/76),

O Ministro da Justiça, Armando Falcão, disse ontem (...) que “o governo repudia com veemência os crimes praticados, inteiramente contrários à formação e a índole do povo brasileiro. Condena-os, partam de onde partirem. Estamos acompanhando as diligências de âmbito estadual, para descoberta de autoria e punição legal dos eventuais responsáveis.”

Mas tal declaração do Ministro foi seguida de uma advertência ao jornal: “cuidado com o que vocês vão escrever”. Era uma oficialização do posicionamento do governo diante da mídia, porém, sem muitos esforços que realmente condigam com o interesse em achar os culpados. Para tanto, não poderia haver um esforço muito grande, pois os culpados poderiam ser militares próximos ou capangas a mando dos mesmos, o que atrapalharia os objetivos do processo de abertura controlada.

Dom Geraldo Fernandes, representando a CNBB, afirmou que havia uma relação entre os atentados na ABI, OAB e o sequestro do bispo Dom Adriano Hypólito. Para o mesmo, “a relação entre os três é que costumamos falar, e falar claro. Somo nós que emitimos opinião” (ibidem).

Diante da manifestação de Dom Adriano e outros bispos a favor da diminuição da venda de arma, o Secretário de Segurança de São Paulo disse que há “intromissão da Igreja nos assuntos de Polícia” (ibidem). E esta fala vai ser reproduzida pelos grupos de extermínio que vão trabalhar na Baixada Fluminense e ameaçar a segurança de diversos ativistas socias da região que eram apoiados pelo bispo.

Para causar discórdia no meio da igreja, o semanário litúrgico A Folha, de 29/05/77, edição de Pentecostes, foi falsificado e teve milhares de exemplares distribuídos nas igrejas da Baixada Fluminense.

No dia 19/06/77, segundo o coordenador do Arquivo da Cúria Diocesana, Antônio Lacerda de Meneses, por determinação do Comandante do 1º Exército, foi cancelada uma conferência de Direitos Humanos para a constituição de uma Comissão Diocesana de Justiça e Paz que se realizaria no Centro de Formação da Diocese de Nova Iguaçu.

Eram sinais claros da interferência direta dos militares nas atividades da Igreja em relação à busca pela justiça e pela denúncia à maneira dos militares de lidarem com a oposição.

No dia anterior ao cerco que impediu a reunião, elementos que não estavam uniformizados e não se declaravam militares procuraram repetidas vezes o Centro de Formação sob os mais diversos pretextos para a tentativa de neutralizar e dificultar a mobilização da Igreja junto à resistência.

Estes episódios marcaram a violência e truculência dos militares na tentativa de repelir a ação do bispo junto aos movimentos de resistência contra a imposição dos militares e em busca por melhores condições de vida.

Políticos de diversas agremiações como ARENA, MDB, também o Senado e a Câmara manifestaram repulsa aos atos que marcaram o sequestro e os atentados contra a Catedral de Nova Iguaçu.

A maneira com que o bispo reagiu às ameaças foi buscando apoio em outros grupos de resistência e, com a abertura das mídias, as notícias deram mais visibilidade para a ação da Igreja, tornando uma possível morte do bispo como uma apunhalada nas costas dos próprios militares, com medo de um martírio do bispo e um fortalecimento dos movimentos a partir de uma possível revolta com a morte do mesmo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

DOCUMENTAÇÃO.

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Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 2 – 1º de fevereiro de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 3 – 1º de março de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 4 – 1º de abril de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 5 – 1º de maio de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 6 – 1º de junho de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 7 – 1º de julho de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 8 – 1º de agosto de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 9 – 1º de setembro de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 10 – 1º de outubro de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 11 – 1º de novembro de 1969.

Boletim Diocesano – Diocese de Nova Iguaçu – Volume 12 – 1º de dezembro de 1969.

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[1] Fonte: http://www.mitrani.org.br/historia.html visitado em 05/08/2018.

[2] Fonte: https://www.diocesedesantos.com.br/clero/a_001/ visitado em 05/08/2018.

[3] Fonte: http://www.diocesedelages.org.br/bispos.htm visitado em 05/08/2018.