Após o belo discurso sofista acerca da desvantagem em praticar a justiça, considerando que cometer a injustiça e aparentar ser justo é mais vantajoso, buscando sempre a auto-preservação, Sócrates, admirando tal discurso considera-se, à princípio, incapaz de defender a justiça. Porém, sente-se incomodado em presenciar argumentos tão nocivos à sua concepção de justiça e não defender o que julga ser a mais justa harmonia em práticas da pólis.
Não obstante, Sócrates inicia sua argumentação ampliando a análise de um indivíduo para a análise da pólis, composta de vários indivíduos. Assim, compreendendo a formação de uma cidade, poderia perceber a natureza da justiça, assim como a natureza da injustiça.
Primeiramente Sócrates desfaz o pensamento sofista da auto-suficiência, destacando o homem como parte de um todo que necessita de estar harmonizado com a pólis. Sendo assim, a cada um seria importante que exercesse somente a atividade que tem, por excelência, uma habilidade em destaque, pois seria o melhor (e feliz principalmente) naquilo que faz, cada qual conforme sua natureza.
Após constatar o tamanho da cidade e a necessidade de importar certas coisas de outras cidades, havendo assim relações com as mesmas, Sócrates acredita na possibilidade de haver guerra pela hegemonia, portanto a necessidades de homens, os chamados guardiões que salvaguardariam a pólis dos males que viriam para sua destruição. Entendendo a impossibilidade de uma só pessoa executar com perfeição várias artes, considerando a guerra como uma arte, era necessário um artista preparado para esta função. Alguém que doasse toda sua vida integralmente à essa prática, sem sentir-se mal, pelo contrário, a exercesse com o maior dos prazeres. Porém, para que houvesse a perfeição na prática desta arte, o guardião da cidade, com toda sua importância, deveria ter um instinto de filósofo, além de uma educação apropriada para que tivesse sua conduta inclinada para seu exercício na cidade. Desde a infância a alma deveria ser moldada para exercer a guarda da pólis, por isso as músicas, as fábulas e qualquer tipo de poesia deveria ser selecionada para que não transmitisse aos jovens, tidos como imaturos e incapazes de diferenciar o que pode ou não ser apreendido de tal expressão artística, a parte ruim das mesmas.
Sem a atuação dos poetas, induzindo mentiras e trazendo formas dos deuses compreendendo-os de uma maneira deturpada, comparando-os com os erros humanos em uma completa desconstrução do que deveria ser apresentado como ideal para a educação destes homens. Se por outro lado, uma educação reta e padronizada, sem estímulos que tirem o guardião da sanidade, pode-se dizer que este homem teria a honestidade como base de sua atuação na pólis, pois dele dependeria uma grande e importante missão de guardar a cidade.
Excluindo a conduta dos poetas em descrever, nos contos e fábulas, a conduta de deuses que se demonstram perversos e como praticantes de arbitrariedades que seriam desprezíveis na pólis, ou seja, heróis que não são melhores que os homens, espera-se ter homens honestos. Diferentemente do que os poetas fazem parecer os homens, ou seja, homens justos infelizes e injustos felizes, dando a entender que a injustiça é mais vantajosa.
Estes homens devem ser educados por pessoas mais velhas, estas que conheceram bem tarde a injustiça, tendo a notado sem fazê-la parte de si, tendo observado-a como coisa alheia aos outros e, logo, a percebendo pelo saber, e não pela experiência própria, compreendesse seu poder devastador.
Contudo, considerando os moldes de uma cidade feliz, todos os seus habitantes deveriam ser justos, compreendendo que todos exerceriam naturalmente suas funções, a raça de ouro, a de prata e a de bronze, e todas essas partes da cidade estariam sendo educadas, considerando a mobilidade das raças. Pois se toda a sociedade estaria sendo educada e nesta educação houvesse a percepção de cada habilidade pelos educadores, todos eles teriam a honestidade como um ponto positivo, estimulado em sua excelência suas boas práticas que os tornariam ainda melhor que seus antecessores.
Considerando estes homens de bem, que perpassam por todas as classes da pólis, homens que não precisam de preceitos e que seguem naturalmente as leis, a cidade estaria em completa harmonia, moldada pela educação pautada na justiça. Caso contrário os homens perderiam muito tempo para corrigir os males causados por uma má educação, sem certeza de êxito.
Uma cidade que é fundada de acordo com a natureza é completamente ponderada e sábia, em todas as partes. De certo modo é possível migrar para uma outra atividade, porém, sem objetivar honrarias nem riquezas, mas sim por pretender desempenhar uma outra função que lhe é nata.
A importância de desempenhar cada um sua função é o que faz a cidade justa, ponderada, temperada, sábia e corajosa. Cada indivíduo justo coopera para uma cidade justa, ou seja, um todo justo, fluindo harmoniosamente sem ter desvios. Ao passo que a justiça gera a concórdia e a amizade, a injustiça produz nuns e noutros revoltas, os ódios e as contendas, sendo a primeira primordial para uma cidade justa e boa, e a segunda o contrário disso. A ignorância dos injustos o faz criar discórdia em si mesmo, e por outro lado os justos são melhores e mais capazes de atuar, são mais felizes. Jamais pode-se imaginar uma cidade com injustos, pois não poupariam uns aos outros, trapasseando e criando o caos. A justiça é uma virtude da alma, e a injustiça um defeito, contudo o molde da alma, o qual nos referimos anteriormente seria primordial para o viver bem do homem em harmonia com a pólis.
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